Livro Marcos (William Barclay) 99 Agora, o que acontecia nas
religiões de mistérios era o seguinte. O candidato passava por um longo período
de purificação, jejum, ascetismo e instrução acerca do mais recôndito
significado da história. Logo se teatralizava o relato com toda sua dor, sua
tristeza, sua ressurreição e seu final triunfante como se se tratasse de um
drama de paixão. Recorria-se à música, o incenso, as luzes e a uma liturgia
esplêndida para realçar a atmosfera emocional. À medida que se desenvolvia a
cena, o fiel se identificava com o deus tanto em seus sofrimentos como em sua
vitória final. Passava da morte à imortalidade pela união com o deus. Agora, o
fato que nos interessa é que tudo isto carecia de sentido para a pessoa que não
estava iniciada; mas para os iniciados, estava carregado de todo o sentido que
lhe tinham ensinado a encontrar nisso. Esse é o significado técnico da palavra
grega mysterion. Quando o Novo Testamento fala do mistério do Reino, não quer
indicar que este é algo remoto, obscuro, recôndito e difícil de compreender; o
que quer dizer é que é totalmente incompreensível para aquele que não entregou
seu coração a Jesus e que só o homem que tomou a Jesus como Mestre e Senhor
pode entender o que significa o Reino de Deus. Não obstante, a dificuldade real
da passagem se encontra no que segue. Se tomarmos em seu sentido literal
pareceria que Jesus ensinava em parábolas para obscurecer o sentido de suas palavras
com toda deliberação, para escondê-lo de todos os homens e mulheres simples.
Fosse qual fosse o sentido original, a passagem não pode significar isso; e
haja dito Jesus o que haja dito, não disse isso. Pois se houver algo claro como
a água é que Jesus não empregava as parábolas para ocultar os sentidos de suas
palavras e para encobrir sua verdade, e sim para levar os homens a reconhecer a
verdade e para ajudá-los a vê-la. Então, como esta passagem chegou a adquirir a
forma que tem? Trata-se de uma citação de Isaías 6:9-10, que tinha preocupado
as pessoas do começo. Tinha estado preocupando as pessoas por mais de duzentos
anos antes de que Jesus a usasse. A tradução literal do hebraico é a seguinte
(as duas versões pertencem ao W. O. E. Oesterley): E disse, vá e diga a este
povo: "Continuem ouvindo, mas não compreendam; continuem procurando, mas
não percebam." Engrossa o coração deste povo, endurece seus ouvidos, cobre
seus olhos; não seja que vejam com seus olhos, que escutem com seus ouvidos e
que compreendam com seu coração, de modo que fique são outra vez. Em seu
sentido literal, pareceria que Deus diz a Isaías que deve seguir um caminho
pensado com deliberação para fazer com que as pessoas não possam entender. No
século III a.C. as Escrituras hebraicas foram traduzidas ao grego e a versão
neste último idioma, chamada Septuaginta, tornou-se um dos livros que exerceu
maior influência no mundo porque levou o Antigo Testamento a todos aqueles
lugares onde se falava grego. Os tradutores desta versão se sentiram
preocupados com esta passagem estranha e mudaram a tradução: E disse, vá e diga
a este povo: “Ouvirão, mas não entenderão; e vendo, verão, mas não
perceberão." Porque o coração deste povo se endureceu, e com seus ouvidos
não ouvem bem e seus olhos se fecharam. Para que não cheguem a ver com seus
olhos, a ouvir com seus ouvidos e a compreender com seus corações e para que
não se convertam e eu deva curá-los.(ESTUDANOD A BIBLIA LIVRO POR LIVRO QUE
DEUS ABENÇOE A TODOS)