Livro Marcos (William Barclay) 142 Na maior parte do mundo antigo, em Roma, na
Grécia, em Fenícia, em Assíria e na Palestina, o lamento da flauta estava
inseparavelmente relacionado com a morte e a tragédia. Estava estabelecido que,
por pobre que alguém fosse, devia ter ao menos dois flautistas nas exéquias de
sua esposa. W. Taylor Smith no Dictionary of Christ and the Gospels, do
Hastings, cita dois exemplos interessantes do uso de flautistas, que mostram
quão difundida estava o costume. Houve flautistas no funeral do Cláudio, o
imperador romano. Quando no ano 67 d,C.. chegaram a Jerusalém as novas da queda
da Jotapa diante dos exércitos romanos, Josef o nos diz que "a maioria das
pessoas contrataram flautistas para guiar suas lamentações". O lamento das
flautas, os gritos dos enfermos, os apaixonados chamados do morto, as roupas
rasgadas, os cabelos desgrenhados, devem ter convertido uma casa judia em um
patético lugar em um dia de luto. Quando alguém falecia, os parentes eram
proibidos de trabalhar, ungir-se ou usar calçado. Até o homem mais pobre devia
deixar de trabalhar por três dias. Não devia conduzir mercadorias, e a
proibição de trabalhar se estendia até a seus servos. Devia sentar-se com a
cabeça enfaixada, não devia raspar-se, nem "fazer nada para sua
comodidade". Não devia ler a Lei ou os profetas, porque a leitura desses
livros alegra. Estava-lhe permitido ler Jó, Jeremias e Lamentações. Devia comer
somente em sua casa, e abster-se totalmente de carne e vinho. Durante trinta
dias não podia sair do povo ou da aldeia. O costume era não comer na mesa, e
sim sentado no solo usando como mesa uma cadeira. Um costume que ainda subsiste
era o de comer ovos com sal e cinza. Um curioso costume era esvaziar toda a
água da casa, e das três casas contíguas a cada lado, porque se dizia que o
Anjo da Morte ocasionava a morte com uma espada molhada na água que encontrava
perto. Um costume particularmente patético era de que quando morria uma pessoa
jovem se celebrava, como parte do rito fúnebre, um casamento, no caso de uma
pessoa solteira. Durante o tempo do luto, os parentes estavam isentos da
observância da Lei, porque se supunha estar fora de si, louco de dor. O enfermo
devia ir à sinagoga; e quando entrava os presentes o encaravam e diziam:
"Bendito o que consola ao que chora." O livro de orações judaico tem
uma oração especial para antes de comer na casa de luto. "Bem-aventurado
és Tu, ó Deus, nosso Senhor, Rei do Universo, Deus de nossos pais, nosso
Criador, nosso Redentor, nosso Santificador, o Santo de Jacó, o Rei da vida,
que é bom e faz o bem; Deus de verdade, Juiz justo que julga com retidão, que
levas a alma a julgamento, e governas sozinho no universo, que ages conforme a
tua vontade e todos os teus caminhos são de juízo, e nós somos o teu povo e
teus servos, e em tudo estamos obrigados a te louvar e te bendizer, a ti que
preservas a Israel de todas as calamidades, e nos amparas nesta calamidade, e
deste luto nos levarás a vida e a paz. Consola, ó Deus nosso Senhor a todos os
enfermos de Jerusalém que choram nossa tristeza. Consola-os em seu pranto e faz
com que se regozijem em sua agonia como um homem é consolado por sua mãe.
Bem-aventurado és, ó Deus, o Consolador do Sião, Tu que reedificas a
Jerusalém." Esta oração é posterior à época do Novo Testamento, mas com
este pano de fundo das primitivas, irrestritas expressões de luto é que devemos
ler este relato da menina morta. (Estudando a Bíblia livro por livro que Deus abençoe a
todos)