Livro Marcos (William Barclay) 168 PURO E IMPURO Marcos 7:14 A diferença e a discussão entre Jesus e os fariseus e os doutores da Lei que nos relata este capítulo são de suma importância, porque nos mostram a própria essência e o coração da divergência entre Jesus e os judeus e os judeus ortodoxos de seus dias. A pergunta que se coloca é: Por que Jesus e seus discípulos não observam a tradição dos anciões? Qual era essa tradição e qual o espírito que a informava? Originalmente, para os judeus a Lei significava duas coisas: primeiro e sobretudo, os Dez Mandamentos, e segundo, os cinco primeiros livros do Antigo Testamento, conhecidos como o Pentateuco. Agora, é certo que o Pentateuco contém uma certa quantidade de regulamentações e instruções detalhadas; mas em questões morais o que se estabelece é uma série de grandes princípios morais que se deve interpretar e aplicar se for o caso. Durante muito tempo os judeus se conformaram com isso. Mas nos séculos IV e V antes de Cristo apareceu uma classe de peritos legais que conhecemos como os escribas. Estes não se conformavam com os grandes princípios morais; tinham o que se pode chamar uma paixão pela definição. Queriam que esses grandes princípios fossem expandidos, amplificados, esmiuçados até dar lugar a milhares e milhares de pequenas regras e regulamentações que governavam toda ação e toda situação possíveis na vida. A vida já não seria governada por princípios, e sim por regras e regulamentos. Estas regras e estes regulamentos nunca foram escritos até muito tempo depois da época do Jesus. São o que se denomina a Lei oral; esta era a tradição dos anciãos. A palavra anciãos nesta frase não significa os chefes da sinagoga, mas sim os grandes doutores da Lei de tempos passados, como Hillel e Shammai. Muito depois, no século III depois de Cristo, redigiu-se por escrito um resumo de todas essas regras e regulamentos, que é o que se conhece atualmente como a Mishnah. Nesta passagem surgem dois aspectos destas regras e regulamentações dos escribas. Um é o referente à lavagem das mãos. Os escribas e fariseus acusavam os discípulos de Jesus de comer com as mãos sem lavar. A palavra grega é koinos. O significado de koinos é comum; mas também descreve algo que é ordinário no sentido de não ser sagrado, algo que é profano, em oposição ao sagrado; e finalmente, descreve, como neste caso, algo que é cerimonialmente impuro e inepto para o serviço e o culto de Deus. Havia regras rígidas e definidas para a lavagem das mãos. Note-se, entretanto, que esta lavagem não tinha nada que ver com a higiene; tratava-se de uma limpeza cerimonial. Antes de cada comida, e entre um prato e outro, era necessário lavar as mãos, e isso devia fazer-se de certa maneira estipulada. Para começar, as mãos deviam estar limpas de toda capa de areia ou terra, ou algo por estilo. A água para a lavagem devia guardar-se em grandes cântaros especiais de pedra, de modo que ela estivesse limpa em sentido cerimonial, e de modo que existisse a garantia de que não se empregaria para nenhum outro propósito, e que não tinha caído nada nela nem se mesclou com nada. Primeiro, as mãos deviam colocar-se com as pontas dos dedos apontando para cima; a água se vertia sobre eles de modo que se deslizasse ao menos até o punho a quantidade mínima de água era um quarto de log, que equivale a uma casca e meia de ovo cheia. Enquanto as mãos estavam ainda molhadas, cada uma devia ser esfregada com o punho da outra; esfregava-se o punho de uma mão contra a palma e o dorso da outra. Isto significava que nesta etapa as mãos estavam molhadas; mas essa água em si mesma era impura por haver tocado mãos sujas. Assim, em segundo lugar, as mãos deviam ser postas com os dedos apontando para baixo e verter neles água do punho, para que corresse até as pontas dos dedos. Depois de feito tudo isto, as mãos estavam limpas. (Estudando a Biblia livro por livro que Deus abençoe a todos)